"Essa ferida, meu bem, às vezes não sara nunca às vezes sara amanhã"
Carlos Drummond de Andrade
Até breve...
Guardou a pequena mochila no maleiro acima da poltrona e se sentou.
Abriu um pouco a cortininha verde que cobria a janela, olhou pelo pequeno vidro e viu que já era noite, não viu a lua, mas sim um céu todo pontilhado de estrelas. Era uma imensidão azul escura, toda salpicada de pontinhos brancos que pareciam conversar lá em cima.
Talvez também a vissem.
Talvez até comentassem lá no alto umas com as outras:
-Como ela está bonita hoje.
-É, realmente o vermelho lhe cai bem.
Ela distraíu-se no céu, quase esqueceu de pensar. Aquelas últimas semanas haviam sido tão intensas, parecia que uma vida inteira tinha sido vivida... Lembrou-se do trato: "-Eu não te ligo e você não me liga" e de como prometeram-se que iam ficar bem.
Talvez eles ficassem um mês, ou dois, sem se falar - cumprindo a promessa - e depois voltassem a se ver.
Talvez ai as coisas já tenham esfriado.
E ai (talvez) o encontro faria tudo voltar a aquecer... e eles, quem sabe, não consigam controlar a chama que os chama, ou consigam. Agente nunca sabe. A vida é incerteza.
Enquanto ela pensava em tudo isso, ele permanecia parado, sozinho, em frente aquela velha rodoviária, não tinha conseguido se despedir dela. Sabia que, no fundo, nunca conseguiria se despedir de verdade.
Ela estava indo embora porque ele a comprimia demais. Ela gostava de ser livre e não ter que, por obrigação, dar satisfações. Se sentia subjugada ali; ele tinha tanto medo de perdê-la que tentava controlar até seus pensamentos. E tinha tanto medo que acabou perdendo-a. Primeiro dentro de si mesma e depois assim...
Não que ela não sentisse nada mais por ele, porque sentia... E quando decidiram se separar, ela saiu dignamente do apartamente, fechou a porta atrás de si e desceu cinco lances de escada sentindo as lágrimas se despejando pra fora de sua alma, atravessou a rua e andou a esmo pelo bairro...
Dizem que o brilho nos nosso olhos são lágrimas guardadas, é a água em nós que nos faz brilhar; e quando agente chora nossos olhos brilham pra dentro. Por isso agente fica com a vista embaçada, sem conseguir ver o mundo direito - porque nessa hora agente tá se refletindo.
Nesse caminho, entre as lágrimas e as lembranças resolveu que iria para São Lourenço; cidade pequena e grande, do seu exato tamanho pra poder seguir, foi até a rodoviária, comprou a passagem para dali a duas semanas, enxugou as lágrimas e voltou pra casa. Resoluta.
Aquelas duas semanas foram cercadas de sentimentos antagônicos; ela, cada vez mais, queria ir embora e ele... Bom, ele viveu uma tempestade de sensações... E no fim acabou se dando conta de que ele a havia ferido, assim como se fere um pássaro tentando segurá-lo entre as mãos. E agora teria que deixá-la voar novamente. Quanta dor há em perceber-se como vilão de sua própria história...
No dia da viajem ele saiu de casa mais cedo, só deixou um pequeno bilhete, colado na geladeira:
"A Deus entrego tudo,
porque eu não posso dizer adeus.
Te desejo uma boa viajem.
E tudo o que posso dizer é que não ligo... se você não ligar.
Não digo também que te amo, porque você me pediu que eu não mais dissesse,
mas eu diria... se você quizesse!
Marcelo"
Ela leu e guardou o bilhete numa das páginas do livro do Saramago que iria levar consigo.
Aquilo a balançou... e até a fez pensar em ficar, mas o pensamento foi embora tão rápido quanto veio.
Sentimento agente não constrói e desconstrói quando quer.
Tomou um banho quente e demorado, pôs aquele vestido vermelho com o qual se sentia linda e bem.
Pegou as malas, as passagens na escrivaninha do quarto e saiu. Fechou aquela porta pela ultima vez, desceu as escadas - dessa vez sem lágrimas e com uma certeza que chegava a ser desconcertante.
Então lembrou que precisava se despedir... parou entre um lance de escada e outro, abriu a bolsa, arrancou uma das páginas da agenda e escreveu:
"O amor que ficou fincou-se ao mar de lágrimas que derramei...
Esses comodos ainda estão encharcados de nós e ficou cômodo demais permanecer assim.
Eu não quero acomodar no que incomoda.
Não posso mais ficar, então voo.
Adeus, é muito.
Até breve!"
Terminou de descer as escadas. Pediu ao porteiro um envelope e guardou o bilhete nele.
Escreveu: "Para Marcelo, com..." E percebeu que não podia haver o tal "amor" no bilhetinho, era preciso mudar os velhos hábitos pra ir adiante. Riscou o "com" e deixou só "para marcelo" nesse papel de até breve.
E ao porteiro coube o papel de entregar esse pequeno Até...
Gislaine Pereira
P.s.: Escrevi esse texto em um dia de transito, a partir de uma história que ouvi no onibus.
Muito Lindo Gi....Parabéns...escreveu bem...
ResponderExcluirPs. Acho que minha saudade não é apenas de hoje e sim dos tempos que a gente viveu...
Beijos