Ela sofreu, se debulhou em lágrimas mudas - lágrimas jogadas em um túmulo interno. Ele não viu uma gota cair de seus olhos, mas dentro dela as águas jorravam num infindo dilúvio.
Ele partiu e partiu junto o coração dela... ela juntou os caquinhos e entregou para que outro as juntasse.
Ele partiu e, sem nem perceber, entregou-a para aquele que sorria pra ela contente por poder secar-lhe as lágrimas.
Decidiu-se: Iria ser feliz, nem que isso lhe custasse a vida toda.
E foi.
E aos 83 anos ainda acordava pensando nele e em como ele havia partido sem nem olhar pra trás.
O que doeu mais foi o fato de ele não ter olhado pra trás, nem naquele instante e nem em nenhum outro instante da sua vida, porque a vida dela foi feita de instantes felizes. Ela nunca pode dizer que era feliz por inteiro, porque sua metade havia ido embora cinquenta anos antes; ele fora embora e nunca mais olhou pra trás.
Se ele tivesse olhado a teria visto com os olhos marejados e o semblante triste, talvez tivesse ficado pra sempre com ela, talvez ficasse cinco minutos a mais...
Mas ele foi... sem olhar pra trás. E ela ficou, foi adiante - sem ir.
No último instante de vida ela não quis que chamassem o marido, nem os filhos, ou os netos. Apenas pediu que lhe cantassem a música que tocava quando ele partiu, então ela fechou os olhos e se imaginou correndo pra ele e o impedindo de ir, a vida ia indo embora e ela ia se imaginando numa vida que nunca viveu, mas que sempre sonhou. Imaginou ele ficando...
E assim ela foi. Sorrindo por se imaginar indo com ele, sem ter que olhar pra trás".
Gislaine Pereira
Na vitrola: o inigualável Chico Buarque
Na mente: O mundo!
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