domingo, 3 de outubro de 2010

O escrito a tempos e não publicado...

Estou lendo "Perto do coração selvagem" da Clarice Lispector, e me identificado muito. Descobri que tenho um coração meio selvagem também. Selvagem aqui vem no sentido de bicho selvagem mesmo, que não gosta de ser preso, que anseia pela liberdade e que não consegue sobreviver sem ela.
Eu não caibo em gaiolas... qualquer tentativa de me prender faz com que minhas asas comecem a coçar para voar. E isso é tão estranho... Nunca tinha me dado conta o quanto eu corro rápido.
E talvez eu não queira correr, por isso corro tanto.
Eu preciso do céu azul, gosto de sentir o vento fresco roçando nas minhas asas, os raios de sol iluminando meu caminho, as nuvens me cercando e transformando minha solidão no maior prazer que já experimentei.
Sou um pássaro que desaprendeu a voar em bando. Eu invento meu caminho todos os dias. E me basto, sou uma boa companhia pra mim mesma, mas não quero me bastar.
E se digo que corro é talvez porque queira dizer também: não permita! Mas não sei como me mantenho, sou, pra mim mesma, uma completa desconhecida. Nem os meus próprios rótulos cabem em mim, eu sou além do que a definição de "sou" pode compreender. Sou muito maior do que esse corpo pode conter, do que as idéias possam somar, sou maior do que o que digo e muito maior do que o óbvio.
Ás vezes me dá uma vontade gigante de correr, correr, correr... sem direção, sem porto, sem paradas, só correr sozinha por ai! E eu nem sei o que me move... só sei que não me aguento parada muito tempo.
"E nem entendo aquilo que entendo: pois estou infinitamente maior que eu mesma, e não me alcanço" (C.L.)
Dizer isso faz parte do plano: eu vou dizer tudo o que quiser dizer e esperar que 'quem eu sou' não espante quem queira saber de verdade.
Eu sou confusa, num dia estou estremamente feliz e plena, no outro fico estranha até pra mim.
Acho que sou mesmo é medrosa, porque tenho medos que não cabem em mim... extrapolam e me deixam apavorada. Eu não sei ser direito. Acho que me perco no emaranhado que sou, me perco de mim tentando ser eu mesma. Meu grande problema é que penso, e penso muito, e pensando me apavoro.
É dificil ser eu mesma.

"Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é. Trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem - pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela - apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão. Seu focinho é úmido e fresco. Eu beijo o seu focinho. Quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito. A menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo salvagem e suave. Aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome. Ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai. Se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai. Aviso tambem que nao se deve temer seu relinchar: A gente se engana e pensa que é a gente mesma que está relinchando de prazer ou de cólera, a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez."

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